quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Do lugar onde estou já fui embora

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É só dezembro se anunciar e já somos tomados por sentimentos de toda espécie. Hoje, por exemplo, acordei pensando em pedir desculpas aos meus netos por não ter conseguido fazer algo para melhorar o mundo quando lembrei que não tenho netos. Mas talvez venha a ter um dia e, nesse caso, esse texto terá algum propósito. Vamos lá, pois.
Meus queridos futuros/prováveis netos, compartilho com vocês o que descobri com o tempo e que talvez sirva para alguma coisa; e é o seguinte: a morte é certa, a vida, não.
Vocês gostariam de algo mais do avô de vocês? Desculpem, mas tive que pensar muito para conseguir chegar à conclusão acima, portanto não sejam mal-agradecidos e usufruam da frase (e da vida). Bom, talvez eu pudesse também pedir perdão a vocês pelo lixo que produzi, pela poluição que espalhei - e que agora vocês tem que lidar - por ter vindo antes, afinal, e ter morado num planeta melhor do que o que vocês provavelmente estão morando agora; mas devo confessar que, ao fim e ao cabo de tudo - e me contradizendo quanto ao primeiro parágrafo -, não acredito em desculpas.
Todo o aprendizado começa com algo marcante. No meu caso foi com a imagem do dedo do meu pai, transpassado por um anzol. Estávamos na praia, ele pescava e eu catava conchas - com seis anos é o que me cabia fazer - quando notei que algo estava errado: ao fazer o movimento com o caniço para atirar longe a chumbada, meu pai acabou fisgando o polegar. O anzol entrou do lado da pele e saiu pela unha, tornando impossível se desprender, como bem sabem os peixes, alguns instantes antes de não saberem mais nada. De modo que tivemos que ir até o pronto-socorro, comigo apavorado, e o meu pai quieto, com um anzol enfiado no dedão. Tudo isso me deu chance de aprender duas lições importantes. A primeira: adultos não se dão o direito de chorar na frente de crianças. E a segunda: é preciso tomar muito cuidado com anzóis.
Algumas coisas ainda a lhes dizer: tomem cuidado com as pessoas fúteis. Elas, por serem mais numerosas que as não fúteis, são as que decidem o quanto de futilidade o mundo deve ter. Vem daí que muitas pessoas não fúteis acabam caindo na futilidade, só para se darem bem com a maioria e acabam produzindo ainda mais futilidade. Entenderam? Na verdade, tomem cuidado com os dissimulados. Outra coisa, a frase do título desse texto não é minha, mas do Manoel de Barros: se é para roubar, roubem o que for bom. Última coisa, segundo William Reich (ou seria o Jung?), sete espirros equivalem a um orgasmo. De maneira que se algum de vocês estiver solteiro, arrume um resfriado.
"...sim, tudo que se herda, se dissolverá. E como esse frágil espetáculo que esmaeceu, não deixará nada para trás. Somos do mesmo material de que os sonhos são feitos e nossa vida insignificante se completa durante o sono." Meus queridos (prováveis) netos, se vocês fossem netos do Shakespeare teriam herdado algo assim. Mas, como são meus, só o que posso dizer em legado a vocês é que "a morte é certa, a vida, não".

José Pedro Goulart é jornalista, cineasta e diretor de filmes publicitários.

(Enviado pela amiga Marcy Novaes)

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