sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Tenha um gato e aprenda a amar

Data original: 18 fev 2005

Texto de Ruy Fernando Barboza, psicólogo clínico, conselheiro da Sobab – Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética e coordenador de Treinamento do Cora – Centro Oncológico de Recuperação e Apoio. In: Revista Viver Psicologia, fevereiro/1999, p.30.

Sempre me fascinou o território, de fronteiras indefiníveis, que une a arte e a loucura. Não sei de nenhum artista de verdade que, em algum grau, não seja louco. Nem há louco de verdade que, naquela mesma proporção, não seja artista. Escrever contos ou poemas, pintar, esculpir, compor são maneiras eficientes de manter no limite do saudável a loucura de cada um de nós.
Percebendo, nos psicóticos, os efeitos terapêuticos da produção artística, a psiquiatra junguiana carioca Nise da Silveira dedicou sua vida a incentivá-la, e os resultados desse trabalho (como terapia ocupacional, e também como facilitadores do entendimento da própria loucura) têm hoje reconhecimento internacional. Um deles é o Museu de Imagens do Inconsciente do Rio de Janeiro, que, além de preservar as magníficas obras de arte dos pacientes de Nise, transmite, por meio de cursos e publicações, as suas descobertas a estudantes e profissionais da área da saúde. A Emoção de Lidar é uma dessas publicações, coordenada e prefaciada por Nise (editora Alhambra, 1986), relatando algumas das experiências de sua equipe com internos da Casa das Palmeiras, fundada por ele em 1956.
Nise retoma o título desse livro em outro, publicado em dezembro de 1998, pelo Léo Christiano Editorial: Gatos – a Emoção de Lidar. Essa é, na verdade, uma crônica de memórias e reflexões esparsas da autora, em torno de sua outra grande paixão: os gatos. Com sua leitura, Nise (que descobriu, por acaso, a utilidade dos gatos – não ria! – como co-terapeutas) reacendeu em mim a idéia surgida de minha convivência com Alexander Lowen. E aqui não estou falando do meu mestre Lowen, o criador da Análise Bioenergética, e sim do seu homônimo, o meu gato. A idéia (maluca, reconheço: eu mesmo não a levo a sério) é a de que o currículo de todo o treinamento de psicoterapeutas deveria incluir, obrigatoriamente, ter um gato.
Sempre tive cachorros e, nos meus primeiros contatos com meu gato Lowen, me dei muito mal tentando transferir para o relacionamento com ele a aprendizagem que tivera com os cães. Notei, de cara, a inacreditável semelhança entre o gato e muitos pacientes em terapia. Como esses pacientes, o gato sabe muito bem o que quer, e luta com todas as suas forças, artimanhas e talento para consegui-lo, rejeitando qualquer alternativa oferecida; não atende ás expectativas de aprendizado e às necessidades de recompensa ou agradecimento do seu “cuidador”, por mais que este faça o que julga melhor para ele; só busca ou aceita nosso afeto e nossas manifestações de carinho no momento e na forma que ele escolhe; some, sem você saber por quê, etc, etc.
Alexander Lowen (o psicoterapeuta, não o gato) nos adverte para o engano em que incorremos imaginando precisar ser amados. Nossa principal necessidade não é a de ser amados, mas a de amar. Ninguém se realiza com o amor que o outro sente por ele – embora, sem dúvida, muitos de nós precisemos aprender a aceitar o amor do outro. Mas ninguém pode nos roubar a capacidade de amar (com todo o sofrimento que possa nos trazer um amor não correspondido), porque amar é uma experiência do nosso self. Com um cão, podemos aprender a ser amados, já que um cão nos ama incondicionalmente. Com os gatos, que nos exigem um amor incondicional, podemos aprender a amar.

Detalhe para a Foto: é minha filhota, a Cherie :D

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